Comunidade Mulheres que Viajam Sozinhas

Mulheres que Viajam Sozinhas e o Preconceito.

by Mulher Viajante

Inglês com a gringa

Você pretende viajar sozinha? Este artigo é para mulheres que viajam sozinhas e para aquelas que pretendem viajar e imaginam o preconceito que podemos sofrer somente pelo fato de estarmos viajando sozinhas.

A gente lê muito sobre preconceito e ideias pré-estabelecidas quando o papo é comportamento da mulher. Liberdade e igualdade de gênero, ainda é assunto nebuloso em pleno séc. XXI.

É difícil acreditar que a maioria das empresas para as quais trabalhamos ainda tenham diferença salarial entre mulheres e homens. Muito decepcionante saber a naturalidade com que ainda nos dão “aulas” sobre boa conduta ou modelos de comportamento “certos” ou mais aceitáveis que deveríamos seguir.

Seguimos ouvindo conselhos e dicas: casar bem e ser boa esposa; o que fazer para “manter o marido” (vai dizer que você ainda não continua lendo por aí coisas do tipo “10 maneiras de conquistar um homem definitivamente”), que mulher boa é aquela que se dedica à casa, aos filhos e ao marido… e coisas do gênero. E quando optamos por não casar e não ter filhos, somos bombardeadas com questionamentos quanto aos nossos valores familiares e discursos sobre uma felicidade impossível sem um parceiro e a prole.

Ás vezes a gente chega no limite para os nossos ouvidos, quando o absurdo verbalizado já soa pra lá de inaceitável. Ao menos é assim que me sinto quando escuto alguém dizer como as mulheres devem se vestir para que não sofram assédios de toda a ordem e estupros. É incompreensível como ainda há quem justifique violência às liberdades individuais porque a fulana se veste assim ou assado, ou não segue determinado modelo de comportamento. E o pior é quando isso vem das próprias mulheres.

Difícil, gente! Difícil!

Agora. Imagine em um tempo onde a mentalidade ainda é da forma descrita, uma mulher preparar sua mala e partir pro abraço ao mundo… sozinha?

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Há duas décadas ouvindo a mesma pergunta: Mas você vai sozinha?

Faço isso há 22 anos. Apesar de ter vivido algumas situações bem desagradáveis quando era mais nova. Uma apalpada em uma boate em Londres que rendeu um belo escândalo e a expulsão do inglês abusado da boate; um recém conhecido compatriota que entrou de cueca e uma grande barriga à mostra no quarto do hostel em que eu estava sozinha em Barcelona se sentindo a última rosquinha do pacote; ou outra apalpada dentro da Basílica de São Pedro, no Vaticano, enquanto assistia o Papa João Paulo II em cerimônia do funeral de um cardeal.

Mas mesmo com estes episódios desagradáveis, nunca nem cogitei a ideia de deixar de viajar sozinha. Isso não é uma opção porque viajar sozinha pra mim é um estilo de vida escolhido com liberdade e muito celebrado.

Agora. É fato que vai passar o tempo e que nunca terei visto tudo. Vai saber o que a vida ainda me reserva nas andanças por esse mundão?  Há pouco tempo mesmo, vivenciei uma situação chatíssima que me fez pensar no quanto nossa sociedade ainda é atrasada e na longa caminhada que as mulheres ainda têm pela frente, em prol de um tratamento digno, livre e igual. E foi na minha viagem à Las Vegas.

Talvez aquela ideia da Vegas libertária e festiva tenha feito com que eu prestasse maior atenção aos detalhes quando o assunto é preconceito. Ou talvez, por ter alguma experiência na bagagem, já esteja simplesmente um pouco mais cansada de ouvir as mesmas frases, e de lidar com a falta de visão e criatividade nas relações humanas… sei lá. Talvez eu precise de um pouco mais de paciência!

Afinal, são anos viajando sozinha e ouvindo as mesmas frases, todas as vezes que viajo: “Você vai sozinha mesmo? Você não sabe que é perigoso uma mulher andando por aí sozinha? Você não tem medo do que pode dar errado?” e bla, blá, blá… Como se todas essas coisas que hipoteticamente podem acontecer em uma viagem, não pudessem acontecer no dia a dia de qualquer pessoa, em qualquer lugar.

No post sobre a minha viagem para Las Vegas, falo um pouco da experiência sozinha na cidade. O que eu senti andando sozinha em Las Vegas, nos cassinos, restaurantes , as coisas que ouvi e etc.  Mas aqui quero falar especificamente da experiência em um local na cidade: o hotel que eu escolhi para me hospedar, o Planet Holywood.

Vegas me ensinou um pouco mais sobre pré- conceitos

Depois de um excelente almoço/jantar em um dos melhores restaurantes mexicanos que já comi na vida, o Javiers, que indico de olhos fechados, fiz uma caminhada pela pequena seção da Las Vegas Boulevard, a famosa  Strip, onde se localizam os grandes hotéis da cidade. Após o retorno ao hotel, um banho e uma taça de vinho, resolvi partir para assistir a elogiada cascata do Belaggio. Uma pena que isso não seria possível.

Ao fechar a porta do quarto do hotel, me lembrei que havia deixado meu passaporte fechado na mala. A porta já estava fechada. E como vinha acontecendo com frequência, o cartão para abrir a porta não funcionou. Desci para solicitar um novo registro no cartão para que pudesse entrar no meu quarto. Por precaução uma pessoa da segurança do hotel iria ao meu quarto para abrir a porta. Subi para esperar na porta do hotel, confesso que um pouco irritada, já que não era a primeira vez que o cartão dava problema. Compreendi que a pessoa da segurança me acompanhar era uma medida importante, porque se não fosse esse cuidado, qualquer um sem documento poderia requerer um cartão e entrar no quarto dos hóspedes. Mas o problema foi a pessoa enviada e a abordagem que ela utilizou. Sim, ela. Era uma mulher!

Esperei mais de 20 minutos, sentada no chão na frente do quarto, (sendo motivo de olhares desconfiados de outros hóspedes que passavam pelo corredor) quando apareceu essa arrogante senhora da segurança do hotel me fazendo várias perguntas. Depois de perguntar porque eu viajava sozinha (ao que eu quase respondi que não era da conta dela) quando disse a minha nacionalidade notei que o tratamento se tornou, vamos dizer assim, ainda um pouco mais rude.

Dei meu primeiro e último nome, como de praxe, já que em qualquer estabelecimento no mundo seu último nome é o usado para registro. Mas no Planet Holywood em Las Vegas, não. Por alguma razão usaram meu segundo nome, o que me causou um transtorno enorme já que após a arrogante senhora verificar que não havia registro no hotel com o sobrenome Leal, eu passaria a ser tratada como uma criminosa. Após comentar seu estranhamento por estar diante de uma mulher, brasileira, viajando sozinha, ela me disse que deveria acompanhá-la, pois não tinha ninguém registrado alí com aquele nome. Se negou a tentar meu segundo nome e só depois deu insistir muito e exigir que me atendesse com respeito e não como uma criminosa, ela checou o registro no hotel e constatou que eu existia tal como explicava.

Ainda assim, me pediu para que explicasse com detalhes onde estava meu passaporte, e que quando entrássemos no quarto eu deveria ir direto à localização exata do documento, sem mexer ou olhar para mais nada. Isso mesmo! Eu deveria ir direto à minha mala, sem poder olhar para os lados…

Após esse procedimento autoritário e cheio de preconceito implícito não houve nenhum pedido de desculpas. Me senti muito desrespeitada, como nunca antes em nenhum local que visitei no planeta. Nenhuma daquelas apalpadas que já mencionei no inicio desse relato, me deixaram tão ofendida e furiosa como ser tratada com tamanho desrespeito, tida como uma criminosa somente pelo fato de estar viajando sozinha e ser brasileira… isso tudo por uma mulher!

Ainda precisamos evoluir muito como sociedade

Fui acometida por muitos pensamentos com aquela situação.

Costumo dizer que sou muito mais feminista no estilo de vida que escolhi pra mim do que nos discursos ou teorias compartilhados. Acredito piamente que discurso sem vivência pode ser só mais um discurso vazio dentre os tantos com os quais nos deparamos todo santo dia, seja nas redes sociais ou fora delas.  Mas o fato é que é muito importante continuar batendo na mesma tecla por qualquer via. Falar muito de desigualdade de gênero é absurdamente necessário. Porque se as próprias mulheres são preconceituosas com seu gênero, imagine só o que podemos esperar de alguns homens.

De todo modo, justiça seja feita, felizmente são muitos os homens preparados emocionamente (e diria até intelectualmente) para as transformações culturais que vivemos. Na contrapartida, algumas mulheres, infelizmente, estão há anos luz de compreender o próprio papel na sociedade no que se refere à árdua batalha empreitada todos os dias pelos próprios direitos de ser quem elas quiserem ser.

Precisamos transformar isso. É nosso direito, mas é também um dever.

As mulheres que tratam com naturalidade seu comportamento preconceituoso são co-responsáveis pelos horrores da misoginia, na medida em que são atores sociais, estão no mundo se relacionando e formando opinião. É claro que nesta abordagem desastrosa lá em Vegas, também havia uma relação de poder implítica entre a segurança e essa viajante que voz fala, mas isso é outro papo. O que salta aos olhos, e é até irritante diga-se de passagem, são estas associações “despretensiosas”  que contribuem para que muitos homens justifiquem as aberrações cometidas contra nós. Sou brasileira e viajo sozinha. E daí? Se esses dois fatores em conjunto contribuírem para qualquer pessoa me rotular disso ou daquilo, ou se achar no direito de ter qualquer atitude invasiva comigo, a (o) “pensante” em questão tem sérios problemas com raciocínio lógico (rs).

Os movimentos rumo à mudança de pensamento

Acredito que um meio de contribuir para a transformação de pensamentos enraizados e resistentes à mudanças, seja abordar temas mais difíceis com alguma leveza. Estamos precisando disso atualmente. São muitos os veículos de informação na internet por exemplo, que incitam o ódio. E é precisamente o oposto o que precisamos.

Falar de liberdade feminina é tema que pode muito bem ser levantado através das viagens. Este blog, o grupo do facebook  e a página têm em conjunto esse objetivo primeiro.  Acredito piamente que precisamos tentar abordar questões de mentalidade de forma gradativa e com maior leveza possível. E beleza também. Falar de liberdade feminina e associar isso à viagens é na minha opinião uma excelente forma de acessar até as mulheres mais resistentes.

Orientar, estimular e inspirar mulheres a viajarem sozinhas é indiscutivelmente uma maneira de fazer crescer nestas mulheres um espírito de independência e segurança que muitas delas não fazem a menor ideia do que seja. Quando uma mulher compreende que ela pode fazer qualquer coisa de forma independente fica muito mais fácil para esta mulher se colocar no mundo, se posicionar, se aceitar e, inclusive, aceitar as outras mulheres à sua volta.

Façamos cada uma a nossa parte, meninas!

Por Lu Leal

 

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5 comments

Lilian Trevisan 08/12/2018 - 12:18

Gostei muito do artigo! Sinto que ainda temos um longo caminho pela frente. Precisamos começar mudando pequenas atitudes do nosso dia a dia que reforçam esse preconceito. Como mulheres empoderadas que queremos ser, não cabem alguns discursos rasos. Parabéns!

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Lu leal 10/12/2018 - 11:51

Você disse tudo! Beijos

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Lu leal 18/01/2019 - 23:04

Obrigada. Um beijo

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SONIA MARIA CRISTALDO SARMENTO 02/07/2021 - 14:11

Li, gostei do seu post. Já viajei muito sozinha (para estudar idiomas) e nunca tive problemas, penso que no Brasil uma mulher sozinha sofre mais preconceito do que na Europa ou na América do Norte. Mas agora estou querendo sair do Brasil (já estou aposentada) e pretendo ir só. Tenho horror a frio, então penso no Caribe (Colombia, Panamá, ainda não sei …), o que você me diz de uma mulher viver só nesses paises?

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Lu leal 08/07/2021 - 12:48

Viajar para outros países é diferente de resolver morar por lá.
Se está aposentada, se o objetivo é somente descansar em um lugar diferente, sempre é válido. Quando precisa trabalhar aí é outra história alguns pontos específicos precisam ser observados.
Já morei só nos Estados Unidos e na Europa. Mas no Caribe ainda não. Para passear o Caribe é um sonho. Quanto a morar, teria que fazer uma pesquisa detalhada e falar com mulheres brasileiras que vivem lá.
Veja nos fóruns e grupos do face. Deve ter algum grupo para brasileiros que moram no Caribe.

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